Já foi um dos eixos mais importantes do país, importância que foi diminuindo com o passar do tempo, sendo preterida por vias mais rápidas, onde todos querem chegar mais depressa do ponto A ao B. É um pouco como o homebanking, facilita a vida mas é muito menos pessoal – quem não se lembra de ir com os pais “ao banco” e assistir a conversas animadas, com a pessoa do outro lado do balcão, sobre tudo e mais alguma coisa?
Viajar em auto-estradas pode ser mais rápido, mais relaxante (nem sempre, mas é o que nos é vendido), mas também nos torna um pouco mais pobres e, no caso, não estamos a falar propriamente de dinheiro. Quando rolamos pelas vias mais rápidas deixamos de contactar com toda a vida que se desenrola para lá daquele tapete alisado, do ponteiro da velocidade, das grandes e impessoais estações de serviço. Deixamos de ver pessoas a viver as suas vidas, das casas que se abeiram da estrada, ou que se perdem na paisagem, dos animais que pastam e repousam nos campos, dos cafés que são pontos de encontro, dos cheiros das terras, do vento frio ou quente consoante a época da viagem. Pode até ver parecer que vê tudo isto, mas não é o todo, é apenas a parte, a mais pequena parte.
Ao viajarmos numa estrada nacional, como a EN2, é quase como se fizéssemos parte dela e de tudo o que a rodeia. Andamos mais devagar, é certo, mas vivemos muito mais. Entrando na estrada, numa estrada nacional, ou na “nossa” Nacional 2, podemos parar sempre que nos apetecer (ou for possível) para conhecermos um pouco melhor a cidade, vila, ou aldeia com nos cruzamos. Ou dar dois dedos de conversa com o Sr. Manel que está sentado à porta de casa, ou com os homens de boné e cartas na mão que, reunidos a uma mesa, jogam à sueca. Ou com a dona Maria que trata do pequeno pedaço de terra, ou da roupa que põe a estender. Ou com o Sr. Joaquim que serve aquele petisco e meio copo na sua tasca tão portuguesa.
Mesmo quando passa longe destas pequenas civilizações, serpenteando encosta acima, ou abaixo, ou na reta mais curta mas que aqui parece que cresce, há motivos para viver a estrada, ou de sentir a vida que nela habita.
Na primeira etapa, que nos ligou de Chaves a Viseu, a estrada, a Estrada Nacional 2, ofereceu-nos isto. Ainda faltam muitos quilómetros até ao fim, muito caminho para encontrar toda esta vida: as vacas que pastam indiferentes, aos cães que ladram, ao senhor que, não sabemos como, abriu a porta da casa que estávamos a fotografar do lado de lá da estrada, do homem que caminhava na berma com a sua cabra, da senhora idosa que conversava com outra da mesma geração, num metro superior desde o seu pequeno terreno, ou do grupo de trabalhadores que tomava o seu mata-bicho junto à estrada, sentados numa pedra ou chão improvisados de banco, ou dos trabalhavam e que se perdiam, quais camuflados, entre as vinhas coloridas pelas cores do outono.
Se foi assim em cento e poucos quilómetros, ficamos ainda mais entusiasmados com os metros que faltam, com a estrada que ainda temos de percorrer. Há anos que não tínhamos este sentimento, de sentirmos que nos entranhamos no Portugal verdadeiro, aquele que merece cada minuto do nosso tempo.